22 setembro 2012

London Skies

E lá vão cinco meses desde que, não sei porquê, deixei de visitar este meu canto com frequência. Sou descuidado, sou despreocupado, e por isso facilmente as coisas me fogem das mãos, e com ainda maior facilidade eu me esqueço delas. Eu sou assim. E muitas outras mais coisas que julguei poder mudar e não consegui.
É possível sentir-se realizado? Nunca.
É possível sentir-se completo? Não tenho esperanças nisso.
É possível fazer alguma coisa para tentar mudar todas essas possibilidades pouco prováveis/impossíveis? Quero acreditar que sim.

Tudo o que sempre aqui escrevi como um sonho, aconteceu. Foi realidade, tornou-se a minha realidade, por uns tempos - mesmo que só uns minutos. Mas a vida exige escolhas, e as minhas são sempre feitas em prol desta tão positiva (ou obstinada) ambição que me caracteriza.
Eu tinha tudo, e deixei tudo. Porque a cidade chamou, e eu sentia o seu chamamento há anos suficientes para conseguir dizer que não.

Faz um mês e meio.
Tudo o que sempre sonhei tem vindo a acontecer neste curto espaço de tempo e eu não consigo tirar o sorriso da minha cara.

Só me pergunto porque é que aquilo que me deixa vazio é aquilo que sempre disse a mim mesmo não precisar e é a única coisa com a qual nunca me atrevi a sonhar?

Copos de vinho não substituem o amor.

01 abril 2012

Nantes

Encontrei-me na traição de mim mesmo. Encontrei o fim com expressões deixadas a meio. Encontrei o meu final das reticências, mesmo que sendo errado, ou mesmo que seja certo escondido. Encontrei a minha transparência devido à opacidade que se me opunha. Encontrei grandeza em tão tímida pequenez. Encontrei um dinossauro encarcerado num pequeno lobo amedrontado. Encontrei beleza numa carcaça comum. Encontrei o espírito por baixo de uma voz fora de tom. Encontrei semelhança na diferença e vida no aborrecimento. Encontrei vontade disfarçada de posse e encontrei posse que não se encontrou a si própria. Encontrei medo onde julgava haver segurança. Encontrei um presente diferente do passado ao tentar revivê-lo por o achar mais fácil. Encontrei a complicação do ser humano nas situações mais simples. Encontrei o sorriso por entre o nojo, encontrei o riso por trás das semelhanças que o matavam. Encontrei o agradável no prazer inexistente. Encontrei a dúvida na tentativa da certeza, julgando de antemão que as tentativas não existiam. Encontrei o boom que queria sem o procurar, e encontrei o engano no querer esse boom. Encontrei a onomatopeia para escrever boom. E encontro-me sozinho a tentar apagá-lo como uma tecla consegue agora fazer à palavra.
Encontrei o mar à beira da praia, e encontrei a sorte no meio do azar.
Encontrei o pacifismo na agressividade, encontrei a calma na agitação e encontrei mais pontos de interrogação do que aqueles que os meus pensamentos criavam.
Encontrei a racionalidade perdida no instinto e o instinto, esse, encontrou a racionalidade escondida nele.
Tudo se encontrou.
E depois a porta fechou-me e a praia não era a mesma.

Deixa-me sozinho no meio da areia


Porque eu encontrei a areia pura e branca no meio da lama.
Encontrei qualquer coisa sem saber dizer muito bem o quê

e Reencontrei o medo de encontrar depois de tantos encontros de graus diferentes.

e no final,
percebi que é o suposto dia das mentiras e nas suas primeiras horas eu percebi a verdade.

29 fevereiro 2012

Cousins

Adeus antes de eu perceber o que foi este olá. Antes de eu perceber o teu mundo e o tentar mostrar no meu. Adeus a todos os teus sonhos e desejos e medos e planos e construcções descontruídas que te caracterizam. Aos teus valores e à sua subversão. Adeus a todos os teus contrários.
Desculpa se não te vi como eras, se te fiz parecer pequena, ou grande, ou eu. Se te fiz parecer algo que não faz parte de nada do que de ti foi escrito, se falhei redondamente no que me tentei propôr. A meu favor tenho a tua complexidade e a falta de tempo e espaços para a descomplexar. Gostei de te ver e de entrar em ti, como se gosta de alguém que nos fascina e que nos faz tremer. Adeus aos arrepios que me controlavam ao sentir-te.
Provavelmente vou sentir mais a tua falta do que tu a minha, porque embora eu te tenha dado o meu toque especial, vão haver infindáveis outras pessoas no globo que não se importarão de te incorporar e de tentar pertencer à tua existência, mesmo que só à superfície. Adeus sonho de preparação, adeus imagem de veneração. Adeus beleza que te vejo e reconheço sem antes termos falado.
Obrigado pela miséria, pela consciência, pelas ideias, pela imaginação e pela viagem que me fizeste fazer.
Sofro ao deixar-te porque já te tinha comigo, aqui ao lado, de pontas dos dedos juntas numa eternidade que não vamos nunca conseguir mudar.
Por certo que vão haver tantas outras simples pessoas como eu a querer entrar no teu universo e a tentar perceber-te a ti e ao universo bizarro e cruel em que foste concebida.
Quando as lágrimas secarem acabará o que em meu ser é feminino.
Boa noite, está uma noite pesada. Não tenhas medo de ir até ao fim, ele iria dar-te e iria ter muito prazer ao conhecer-te.
Gosto mesmo de ti, num gostar maníaco, num gostar que se troca e confunde. Um gostar deturpado, horrível e chocante como as coisas a que te propões, ambicionas e sonhas. Até já, por favor, um dia bem cedo eu vou conseguir-te. Agora as etapas chamam-me e a vida ameaça continuar a correr sem tempo para te conseguir ajudar e ao mesmo tempo ajudar-me a mim.
Troco as mãos pelas flores, mas nunca consigo deixar de estrangular. Obrigado por me entenderes.
Guarda-me dentro de ti.


O carrasco acompanha-me.

16 fevereiro 2012

Arriving Somewhere but not Here

Estou cansado de esperar pela minha vida.
Estou saturado da sala de espera, dos números vermelhos no visor colado ao canto da sala que vão chamando - número a número - as senhas a quem é permitido viver. Nunca chega a minha. Eu sei que está quase, já esperei tanto tempo que agora é só mais um suspiro até poder ver o meu número vermelho e a permissão para soltar asas e ser feliz. Mas estou farto. Não serve de nada dizer que não, porque a verdade é que estou mesmo.
Estou farto deste vaguear, deste stand-by imbecil em que me encerrei, deste voyeurismo a que me propus até à grande estreia do meu improviso. Estou farto de ver tudo à minha volta a acontecer e eu a passar ao lado porque não é aqui que a minha epopeia começa. Estou farto de ser um narrador não participante, de falar na terceira pessoa e recordar na segunda, farto de passar páginas em vez de passar dias e de ver o meu nome no elenco adicional dos créditos.
Estou farto de dar a assistência, farto de ser o apoio ao protagonista, farto de lhe dar brilho e farto desta figuração especial sem falas chave. Farto de não mudar nada porque este filme ainda não é o meu. Farto de ser o ajudante de realização, farto de ser o assistente de encenação, farto de co-produções e de ver os outros colherem os frutos do seu êxito enquanto eu vendo os bilhetes para um filme que não é o meu.
Farto de revelar negativos que eu não tirei e farto de estar desfocado nos planos em que, involuntariamente, apareço.
Estou farto de papeis secundários, farto de assistir vidas que não são a minha, farto de escrever em vez de existir e de ouvir o fado sem o sentir. Cansado de ante-estreias, da curta-metragem, deste cenário trocado no qual o meu filme não foi escrito, farto da falta de fundos que adiam a minha produção e das burocracias que ainda tenho que terminar até o poder viver.
Saturado desta interminável passadeira vermelha, que a meus olhos já é preta, e que não me deixa chegar ao sítio onde tudo acontece. Farto desta boca de cena tão grande à minha espera e eu parado nos bastidores. Chega de sala estúdio e chega de experimental. Estou pronto para a minha estreia e já sei o suficiente para saber como quero viver.
Por favor, abram as minhas cortinas!

15 janeiro 2012

Requiem

Sempre se sentiu um ser à parte?
Oiça: neste momento você está aí e eu estou aqui; também me sinto à parte. Sempre estive à parte, quer no Morvan, quer aqui em sua casa.
Mas terá havido momentos em que não se sentiu à parte?
Não.
Nunca? Durante toda a sua vida?
Nunca.
Até mesmo, sei lá!... quando estava com alguém, mesmo durante o amor? Acha que o homem está sempre só?
O homem, não sei; não quero generalizar. Mas eu, sim.
E isso angustia-o?
Nada. Eu ficaria angustiado se acaso não existisse distância entre si e mim.
E como poderemos aproximar-nos de outro ser?
Prefiro não me aproximar.
Prefere manter sempre uma distância?
Ah, prefiro!
Mas porquê?
E você, não prefere manter uma distância?
Nem sempre.
E porquê?
Porque gosto da experiência de estar com alguém, estar misturado com alguém.
Pois olhe que eu não.
Não será também esse o jogo que se joga, de certa forma, nas suas peças?
A última peça que eu escrevi tem trinta anos. Está a falar-me de uma coisa que eu apaguei por completo da memória: o teatro.

Entrevista a Jean Genet, por Nigel Williams