30 maio 2011

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A casa continua aqui
Não se moveu,
não cresceu
não esqueceu nada
Do que fizeste,
do que fizemos,
do que jurámos um dia fazer

Arrasto, desgastados, os pés
neste tumulto
Arrasto-me
por entre corredores magoados,
matando sonhos que recordam
ecos de risos ocos trancados

Perco-me nas portas
das conversas solitárias,
lembrando aquelas partilhadas
um dia, nas varandas imaginárias

Vivo nos nossos recônditos,
debaixo do seu resguardo
Tenho medo da solidão
que solta o choro que prendo calado

Vivo contigo
mesmo que não vivas em mim

Exactamente
na mesma casa,
a nossa casa,
a casa que nos deu um fim.

13 maio 2011

somewhere only we know

Era suposto ter sido só mais um dia. Um dia como todos os outros: fácil, passageiro e rapidamente esquecido. Era suposto, mas como o poder da suposição nunca é assim tão forte, não foi. Houve outras inúmeras suposições que desapareceram assim que a suposição de ser só mais um dia se foi. E agora já não sei o que suponho, ou se devo supor.
Ontem eu tinha um sorriso, constituído por tantas pequenas coisas... uma pulseira, um postal, muitos sonhos e outros tantos planos, três pedras, e algumas coisas mais que não quero lembrar mas que me pressionam para não serem esquecidas.
Tinha na mente milhões de destinos e milhões de aventuras, chegadas, partidas, tudo. Vários sítios, várias emoções, várias paisagens e ainda mais passagens, mas apenas um observador além de mim.
Repensei tanta coisa, enquanto as suposições estavam de pé e a pulseira no meu pulso, o postal - perdido algures numa casa - mas bem vivo e presente na minha intenção. Repensei valores que tomava como impossíveis, repensei vidas que tomava como mortes, mudei de pensamento e tornei-me em alguém melhor. Alguém melhor e com mais esperança num futuro que se adivinhava cada vez mais risonho, e principalmente, que se suponha mais estável. Suponha...
Hoje eu não tenho sorriso, tenho apatia. Como se eu estivesse aqui, a pairar, e o mundo ali em baixo sem me tocar. Tenho o braço leve, a chorar serenamente a falta da pulseira para lhe equilibrar o peso, encontrei um postal perdido na casa - quando já não faz sentido que ele viva na intenção -, tenho sonhos quebrados e planos furados, as três pedras descansam no mar de onde vieram no dia das definições e o resto...existe na mente e num presente, quando devia existir no passado como uma recordação.
Era suposto ter sido só mais um dia.
Até que a Liberdade chegou e quis tornar dela aquilo que eu mantinha livre, mas perto de mim.

09 maio 2011

we are the world

Tenho saudades de ser criança e de olhar para o mundo com olhos de quem vê tudo, mas verdadeiramente sem ver nada. Gostava de sentir o vento sem cheirar o podre, de cheirar as flores sem reparar que cada vez existem menos, gostava de rir, de ouvir rir, sem saber que são risos falsos. Gostava tanto, de ver tudo sem ver nada.
De viver, sem ter vontade a todo o momento de gritar no meio da rua a todos os zombies que passam por mim, meio mortos-meio a dormir. de olhar gelado, desejos secos e sonhos apagados. De lhes poder dizer para acordarem. Para viverem. Dizer que o mundo é só um espaço que nós habitamos, e que podemos fazer dele o quisermos. Dizer que se ele está como está, é só a nós que podemos culpar e não a mais ninguém. Gostava de poder andar por aí, sem ter a constante vontade de gritar "CHEGA": de culpar os outros porque não nos queremos preocupar, de nos desculparmos com a sociedade quando ela é formada por nós. CHEGA de viver como soldadinhos, de aceitar tudo o que nos dão só porque nos dizem que é bom, de criar um vício à volta de algo que alguém inventou e disse que era viciante. chega,chega,chega.
Gostava tanto de dizer que o interior é mil vezes mais valioso que o exterior, e que sabe muito melhor ser do que parecer. De dizer que é completamente vazio querer parecer algo que não se é, ou mudar para ser como os outros, para nos integrarmos, para sermos aceites. Que o importante é simplesmente ser o que se é, no nosso interior mais verdadeiro.
Dizer que não importa como se é desde que se seja fiel a isso. Dizer que não se deve reprimir uma vontade se ela for movida por um motor interior só e apenas nosso, mas que é ridículo inventar acções exteriores apenas para provocar o choque e se assumir como diferentes.
Gostava de dizer tanta coisa. Mas acima de tudo, gostava de ser ouvido. Não digo que sou detentor da razão, e que o que eu disse é uma verdade absoluta. Mas gostava de dizer, ser ouvido, e ser pensado.
Adorava mudar o mundo, e não o deixar cinzento como o encontrei. No entanto, eu sei. Já me conformei que vou morrer frustrado por não conseguir que ele se transforme. Frustrado quando perceber que ninguém me ouviu porque já ninguém consegue tirar os tampões e as palas.
E ele, o mundo, continua feliz a rodar, sem sair do mesmo lugar, dando voltas eternas ao inferno onde se vai queimar.