02 agosto 2011

My Body Is a Cage

Não senti o começo tal como não te senti envolver-me, cobrir-me, rechear-me desta massa que vem de algum sítio amaldiçoado que eu não quero conhecer. Não vejo um final, o final que sempre desejei e que naquele trago de bons tempos inspirei para mim. As certezas que construí com o meu esforço já não são mais certezas do presente mas sim enevoados sonhos de um passado que não se reflecte aqui e agora. É a bola de neve. O deixar arrastar, e arrastar, o eterno síndrome de juventude eterna que nos deixa agir como se tivéssemos todo o tempo do mundo, quem sabe até tenhamos, quem sabe não tenhamos nenhum, eu sinto como se ele tivesse acabado e eu esteja exactamente no mesmo sítio em que estava ao início.
Aquela massa que agora não é mais do que a descrença que me cobre, o feto da desistência, derrete-me a forma e o corpo, deixa-me irreconhecível aos novos tempos e igual aos inúmeros fotogramas que documentam o falhanço que eu era, deixei de ser, e agora abracei de novo. Sem sentir e sem perceber. Algum braço, um qualquer, de um conhecido que eu desconheço, agarrou-me, tocou-me, sentiu-me e deixou que eu o sentisse sem pensar; quando dei por mim estava onde estou agora, com toda a minha luta amachucada nas mãos, pronto para a deitar pelo penhasco e desistir do que quero ser, conformando-me, com outro algo que preenche as lacunas dos meus desejos sem me fazer sorrir. sonhando.
É sempre tempo para voltar à luta e, quem sabe, da segunda vez seja mais fácil recuperar a sede, a forma e a fome de vida e de cumprir os sonhos que eu ambiciono não querendo. conformei-me que não poderia escolher o meu sonho porque ele me escolheu a mim e que por mais que eu fuja ele vai estar sempre escondido num qualquer refúgio dentro de mim. E se eu lutar por ele, mesmo que queira fugir porque ele me consome, ele vai estar lá e soltar-se e eu posso cumpri-lo e aí sorrir, ser feliz e enterrar os cadáveres dos fantasmas passados deixando-os repousar em paz e chamá-los apenas em pequenas reuniões de conhecidos, como recordações. Recordá-los e não teme-los. Se eu fugir vou ter sempre um monstro a comer-me por dentro e a destruir o que indubitavelmente sou, cobrindo-me, dia após dia, dessa pestilenta massa de desistência que me transforma; não vou viver, vou arrastar-me entre estas ruas sob a pena dos olhares alheios que me julgam sem rumo.
A massa pode viver aqui, onde já viveu por quinze anos, mas eu expulsei-a e fui feliz por dois anos que ninguém recupera ou apaga, posso expulsa-la de novo. Faz parte de mim, independentemente de quanta massa me recheie, me cubra e me destrua, faz parte de mim não me conformar. Já sei o que luto, e contra o que vou, agora é fácil.
O meu corpo pode ser uma jaula mas eu posso usá-la da forma que me aprouver, e soltar a minha alma tão longe, tão forte que ela o fará suar toda a massa que me impede de ser alguém e me torna neste enorme traste ressequido de falhanço.
Não tenho quatro paredes onde viver; a minha casa é uma esfera achatada e chama-se mundo.

e eu quero deixar de ser um sem abrigo.