24 outubro 2010

Requiem for a dream

Porto, 19 de Dezembro de 2006


Podia ter sido um sonho tornado realidade.

Podíamos ter passeado pelas ruas e pelos jardins, brincado como brincam as vítimas dos destinos fáceis. Podia ter-te contado as histórias mais bonitas do mundo para que sonhasses que o mundo era teu e que o reino eras tu. Podia ter-te protegido de todos os fantasmas ilusórios que assombrassem o teu futuro. Podia ter-te dado mais, muito mais, mas não pude.

Podia simplesmente ter-te levado à escola pela mão no primeiro dia, ter-te limpo as lágrimas quando percebesses que o mundo perfeito nada mais era que uma utopia. Gostava, gostava tanto de poder ter-te visto a rir com os palhaços, a correr atrás do teu sucesso pessoal. Podia também ter-te dito o não, que certamente não ias gostar de ouvir.

Não sei verdadeiramente de quem foi a culpa, tudo aconteceu rapidamente sem que eu pudesse fechar aquela porta que abri sem querer. Talvez eu tenha sido apenas uma vítima da minha fraqueza mas não sei ao certo a verdadeira causa de todos os meus actos.

Quando o meu mundo estava confuso, apareceu alguém, alguém momentaneamente perfeito que estava disposto a trazer de novo a minha alma e o meu sorriso.

Era tudo maravilhoso, sabes? Trouxe-me tanto, em tão pouco tempo, fez-me acreditar que havia algo mais para além da minha insignificância. Mas depressa consegui perceber que tudo aquilo não passava de uma máscara, de um fingimento absurdo. Depressa revelou o seu lado mais negro. Quando percebi, já estava envolvida em todos os seus esquemas horríveis, tão envolvida ao ponto de mudar a minha vida. Todos aqueles comportamentos me soavam a estranho e me pareciam errados, mas mesmo assim, querendo a todo o custo integrar-me naquele que não era o meu mundo, agi como se agia ali e sem pensar como seria depois, entreguei-me a esta nova fase da minha vida.

Eu era jovem e tudo aquilo era muito novo para mim, mas eu sabia o suficiente para perceber que nada daquilo estava certo. Aquele era o mundo da droga, da destruição, aquele mundo que todos criticavam e desconheciam. Depois do sentimento de surpresa perante toda aquela revolução drástica, senti-me orgulhosa; ele confiava em mim, mostrava-me todos os seus caminhos, todas as suas portas e se lhe dissesse que não queria o mesmo para mim iria desiludi-lo. Senti-me na obrigação de fingir que fazia parte daqueles esquemas, e depressa nos tornámos inseparáveis, até que descobri algo que nos uniria para sempre.

Estava grávida. Achei que iria ser bom para nós, mas quando lhe dei a grande novidade, todas as coisas se desmoronaram. Foi como se me tirassem o chão, como se tudo caísse por terra. Ele tentou persuadir-me, dizer-me que aquilo iria estragar tudo, que nós não estávamos preparados para um passo daquele tamanho. Mas eu estava, aquilo era o meu sonho, tudo aquilo que eu sempre quis e ele estava a estragar tudo agora. Não tive palavras para lhe dizer, perante todo aquele egoísmo. Saí, chorei e gritei de revolta mas acabei por achar que ele não estava a ver bem as coisas, eu tinha de lhe mostrar o lado bom da questão e então tentei ligar-lhe, falar com ele, ir ao "sítio dele” mas nunca mais o encontrei. Passados uns tempos, ouvi por aí que tinha morrido de overdose, mas não sei se foi mesmo verdade, visto que as pessoas têm o dom de saber os supostos finais das vidas de terceiros, mesmo que esses finais nunca aconteçam.

No início, toda aquela história me abalou, como é que toda aquela beleza pode ter acabado assim? Tudo estava ali, bonito, presente, e agora, de um momento para o outro, eu estava sozinha, com um filho que iria nascer sem pai.

Passado algum tempo, tudo me fascinou; as consultas no médico, os pontapés na barriga. Apesar de todas as dificuldades que iria ter, eu queria aquilo, eu sabia que queria. Naqueles momentos de pura frustração e solidão, eu iria poder olhar para ti e sentir que não estava totalmente só.

Quando soube que já não estavas dentro de mim, senti-me tão inútil, qual era o meu papel agora? Não tinha mais ninguém, nem forças para descobrir alguma pessoa que precisasse de mim, que se preocupasse comigo. Eu não tinha mais nada.

Reflectindo sobre a minha vida, tudo o que tinha passado por mim tinha sido breve, nada permanecia tempo suficiente para me deixar feliz. Tudo era uma ilusão, primeiro o homem perfeito que rapidamente deixara de o ser, depois tu, tu! A única pessoa importante que eu achava que nunca me iria abandonar, também tu morreste, também tu te foste embora sem que eu pudesse sequer ter-te nos meus braços para te abraçar e dar o carinho que nunca ninguém me deu.

O resto da minha vida foi passado a sonhar. Já tive muitos sonhos e percebi que se não estivermos à espera que esses mesmos sonhos se realizem, nunca nos desiludimos, porque eles acontecem em nós com a intensidade que nós próprios desejamos.

Estou aqui sentada com a morte ali, deitada na cama. Se pudesses perguntar-me se me arrependia de um dia ter-me envolvido com um toxicodependente, ter ficado grávida sozinha para depois perder o meu filho, eu responder-te-ia, com toda a sinceridade do meu coração, que não. Não me arrependo, porque essa parte foi a única coisa real que me aconteceu, a única com que eu não sonhei.

Sei que nunca vais ler isto, mas fi-lo com toda a minha dedicação. Gostava mesmo, que aí em cima, percebesses que foste a única coisa boa que me aconteceu. Nunca pude demonstrar que te amava, mas amei-te sempre, desde o primeiro minuto que soube que te tinha em mim e mesmo que tenhas deixado de dar pontapés na minha barriga, estiveste sempre nos meus mais solitários sonhos.

Até já.

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