15 junho 2010

Clocks


Todos os dias passam, acontecem, deixam a sua marca num tempo que não é seu e numa vida desacelerada, perdida no nosso pequeno e solitário mundo intemporal. Queremos um relógio gigante com ponteiros minúsculos, ansiamos pelos controlos para atrasar, adiantar ou fazer uma pequena pausa no nosso relógio vivido. Perdemos a completa noção do nosso caminho e do trilho a seguir, os ponteiros do relógio são a nossa bússola e as horas o nosso norte. Contamos estupidamente o tempo com medo de ficar sem ele, com medo que o relógio pare sem darmos por isso, mas para que nos serve saber que horas são, se nunca vamos saber quantas horas realmente temos?
As horas, os dias, a vida, passa tão rápido que não temos tempo de a apreciar nem de ver nada verdadeiramente. Desperdiçamos a vida, e os nossos tão preciosos dias, a localizar-nos temporalmente num mundo sem compasso definido. E no final? E quando as horas se intemporalizam? Pedimos mais... Porque, aparentemente, não tivemos tempo suficiente.
Só percebemos que o mundo é grande quando saímos dos nossos ponteiros, e só conseguimos desviar a atenção deles quando estão cansados de mais e param. Queremos tanto viver que reduzimos o nosso ângulo de visão, absorvemos todos os pormenores de dois pequenos ponteiros maestros, e o resto do mundo fica para depois. Adiamos sempre qualquer coisa. Quantas horas de vida já perdemos ao adiar o despertador dez minutos para dormir mais um pouco? No final vamos queixar-nos que tivemos pouco tempo para ver o mundo, porque tínhamos os olhos encarcerados na nossa preguiça.
Quanto tempo já perdemos em greves, no quotidiano excessivamente demorado porque "o próximo comboio também dá", em conversas de circunstância, em sorrisos falsos de aparência, em leitura de contentor ou em escrita impressa em euros? Quanto tempo já perdemos a pensar em vez de viver? A calcular se temos tempo para fazer alguma coisa, em vez de a fazer logo? E o mundo volta a ficar para depois.
Quantas são as pessoas que durante toda a vida planeiam uma viagem pelo mundo? Quantas são as que a fazem?
Os euros fazem andar os nossos ponteiros, os nossos ponteiros funcionam em relógios, e os nossos relógios marcam passo para o final do nosso tempo - e nós vamos deixando o mundo para depois, na esperança de poder adiar o relógio mais dez minutos: para mais um bocejo, mais um livro da Margarida Rebelo Pinto, ou para apanharmos um metro menos cheio (de certo modo, na nossa derradeira viagem temos o direito de ir confortáveis).
(In)felizmente, o tempo não para, o relógio não se atrasa e os ponteiros não esperam por nós. Não temos tempo de olhar uns para os outros, porque mantemos a ponta-seca em nós e a circunferência é desenhada à nossa volta e não à volta da vida.

Um dia vamos ter todo o tempo do mundo para reclamar que não tivemos tempo suficiente enquanto podíamos e vamos perceber que o tempo estava lá, e que sempre esteve, mas que nós estávamos demasiado cegos com medo de não o ter.

O tempo passa, os ponteiros avançam, as horas desvanecem o sorriso, e nós vamos esperando - de olhos presos no enlouquecedor ritmo - que o relógio esteja certo... sem nunca termos coragem para o acertar.

3 comentários:

  1. Muito bom. Adorei. (Desculpa-me não consigo desenvolver agora)

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  2. Muitas vezes perdemos comboios e muitas vezes fazemos por perde-los(ou porque não nos apetece ou por uma birra), mas quando nos apercebemos que o próximo comboio não vem, arrepende mo-nos.
    O tempo é valioso, temos que saber aproveitar todos os momentos, e não perder tempo com coisas insignificantes.
    Podemos partir milhares de relógios, mas o tempo não pára...
    Aproveitar a vida e não perder tempo a pensar..."quero voltar a trás"; "quero que o tempo passe"; "porque é que o tempo não anda mais devagar"...etc etc
    VIVER A VIDAA

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  3. Anónimo... disseste tudo o que toda a gente diz e não faz. Espero que tu, onde quer que estejas, escondido pelo teu anonimato, não só o digas mas que o faças mesmo também. Porque todos temos que começar, porque até do mais profundo e pacato segredo começam a haver reverberações. E desconhecidos ou conhecidos vão começar a fazer como tu o fazes. Faz por ti, e os outros começarão a fazer, e aí talvez os vivos percebam... Vou tentar fazê-lo.

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