07 junho 2010

Cigarette Smoke

És o meu desejo virado ao contrário. Estás a correr em contra mão num mundo que anda todo ao mesmo passo e na mesma direcção. Uns atrás dos outros, eles vão passando nas minhas mãos e deixando a sua marca, o seu sabor. Fumo. Os cigarros. Devoradores da morte encoberta, sugadores da vida e do sorriso.
Sinto o teu hálito na minha boca. Trava. Deito-o fora. É um ritual. O meu ritual vergonhoso, a minha sede embaraçosa da qual não quero nunca ser descoberto. Eu puxo-te para dentro de mim, travo-te no meu peito e só Deus (se realmente existir) saberá como me sinto ao ter-te preso aqui... bem perto do meu coração. Depois expiro as nossas diferenças, os nossos problemas, e esvazio-me daquilo que já chorei por ti. Agarrado aos pulmões ficam os restos mortais do tabaco, ao coração os teus restos, e bem vivos por sinal.
És o último a sair daquele maço que se auto-intitula de Golpe de Sorte. Sempre é melhor do que ser chamado de Camelo. Fico nervoso com o teu toque nos meus lábios. Mas puxo. E sinto o fumo, o teu fumo, perdido na atmosfera do meu olhar, desenhando e escrevendo, rabiscando formas abstractas e lógicas no ar, como um pintor sem tela, ou com medo de pintar. Cada vez mais fumo à minha volta. Está no final. Vai acabar. E tu, também acabas agora? Ou já acabaste?

Um filtro, uma cinza apagada, uma mísera beata. O vestígio de um prazer culpado que eu deixei perdido num cinzeiro em qualquer parte, mas que continua a perseguir-me, atormentando-me por todo o lado. Tu.

2 comentários:

  1. Ola. Sei q nao nos conhecemos de lado nenhum, mas encontrei o teu blog e nao pude deixar de ler este texto. Só te qeria dizer q tens imenso jeito e q admiro muito a forma como escreves, o texto está muito bonito e, embora nao saiba de qem escreves (e isso não é da minha conta, obviamente), emocionou-me. Assim como outros textos que aqui tens publicados.

    E é isso.
    (nao te conheço mas) Fica bem :)

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  2. Um cigarro, um vício, o fumo que se entranha na pele, na roupa, no ser. E uma dependêncie doentia, crónica, degradante. Comparável a alguns amores e paixões, esses cigarros que nos aprisionam a alma e nos roubam o sorriso que trazemos na face.

    Bravo, Filipe, Bravo, por escreveres tão bem!

    Um abraço,

    Samuel Pimenta.

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