Pensei que não precisava de mais do que o que tenho, mas sinto falta daquilo que nunca tive.
tenho a pele pálida e a alma cheia do vazio das não-vivências
tenho os cabelos sujos, cobertos dos pecados que nunca cometi.
A água magoa-me, enquanto lava o meu ser das memórias dolorosas que eu lembro nunca terem acontecido.
Tenho na cara um sorriso insensato, um sorriso falso e inconsciente que não controlo. Os dentes, com uma deplorável vontade de aparecer, mostram-se - mais brancos que nunca. - mentirosos! Não são sujos. Mas não são como se mostram. São assim assim. Com a brancura de quem nunca foi puro, mas que nunca sequer ousou sujar-se.
Ilusões de óptica. Óptica Iludida. Óptica de ilusões.
Agora percebo como a vida é efémera
e como o mundo é utópico.
Como os dias são anos e os anos são vidas. Como já ninguém perdoa um grão de areia que nos faz piscar o olho direito. ou o esquerdo. Não interessa.
Já ninguém perdoa um piscar, ninguém perdoa um segundo. Ninguém nos perdoa. e num dia - que é um ano - a nossa vida muda por um grão de areia.
E depois? mesmo quando o grão de areia já não habita a nossa retina e nós já conseguimos ver tudo novamente...parece tudo igual - só passou um segundo - mas igual numa dimensão que não conhecemos. Um igual exterior que não é reflexo de um interior que mudou. É a velocidade da visão contra a velocidade do pensamento.
Nem sempre o que vemos é crível, porque a visão não corre de mãos dadas com o pensamento. E o mundo pode estar em colapso, pode estar a cair aos pedaços, e nós vemos um mundo perfeito. Porque a visão não é verosímil. É falsa e é lenta. Facilmente manipulada.
Tenho o interior aos saltos e o meu corpo está calmo.
Isso faz de mim falso? bem... faz de mim humano.
Descobri a humanidade que não sabia que tinha.
Não sei porquê, mas isso não me deixa feliz. ou talvez saiba.
Tenho pena que a vida seja assim, e que as pessoas fujam por um grão de areia.
Ou se calhar é só de mim,
por ter grãos de areia que são pedras da calçada portuguesa.
Por ter os olhos feridos pela dor de ver aquilo que não quer ser visto, e que se esconde, por trás dos olhos daqueles que não querem - e nunca quiseram - ver.