Estou cansado de esperar pela minha vida.
Estou saturado da sala de espera, dos números vermelhos no visor colado ao canto da sala que vão chamando - número a número - as senhas a quem é permitido viver. Nunca chega a minha. Eu sei que está quase, já esperei tanto tempo que agora é só mais um suspiro até poder ver o meu número vermelho e a permissão para soltar asas e ser feliz. Mas estou farto. Não serve de nada dizer que não, porque a verdade é que estou mesmo.
Estou farto deste vaguear, deste stand-by imbecil em que me encerrei, deste voyeurismo a que me propus até à grande estreia do meu improviso. Estou farto de ver tudo à minha volta a acontecer e eu a passar ao lado porque não é aqui que a minha epopeia começa. Estou farto de ser um narrador não participante, de falar na terceira pessoa e recordar na segunda, farto de passar páginas em vez de passar dias e de ver o meu nome no elenco adicional dos créditos.
Estou farto de dar a assistência, farto de ser o apoio ao protagonista, farto de lhe dar brilho e farto desta figuração especial sem falas chave. Farto de não mudar nada porque este filme ainda não é o meu. Farto de ser o ajudante de realização, farto de ser o assistente de encenação, farto de co-produções e de ver os outros colherem os frutos do seu êxito enquanto eu vendo os bilhetes para um filme que não é o meu.
Farto de revelar negativos que eu não tirei e farto de estar desfocado nos planos em que, involuntariamente, apareço.
Estou farto de papeis secundários, farto de assistir vidas que não são a minha, farto de escrever em vez de existir e de ouvir o fado sem o sentir. Cansado de ante-estreias, da curta-metragem, deste cenário trocado no qual o meu filme não foi escrito, farto da falta de fundos que adiam a minha produção e das burocracias que ainda tenho que terminar até o poder viver.
Saturado desta interminável passadeira vermelha, que a meus olhos já é preta, e que não me deixa chegar ao sítio onde tudo acontece. Farto desta boca de cena tão grande à minha espera e eu parado nos bastidores. Chega de sala estúdio e chega de experimental. Estou pronto para a minha estreia e já sei o suficiente para saber como quero viver.
Por favor, abram as minhas cortinas!
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